segunda-feira, 3 de maio de 2010

A História do Tarot. - . Última Parte


Em 1971, ocorreu o que seria a última evolução do tarot. Um norte americano chamado Peter Balin cria o tarot Xultun, um conjunto de cartas que espelha a tradição maia, e que vem a ser o primeiro tarot transcultural da história! Pela primeira vez os arcanos refletem uma cultura não européia sem perder nenhuma de suas características. Fica mais do que provado que as cartas do tarot são uma linguagem universal acessível a qualquer ser humano no planeta! Desse momento em diante uma torrente de baralhos transculturais começam a surgir, baralhos embasados na mitologia grega, nórdica, celta, indígena, indiana… E baralhos de outros autores, mesmo sem a proposta transcultural, surgem e a tarologia vira um grande boom, sobretudo no início dos anos 80.


A flexibilidade do simbolismo do tarot parece caber muito bem nas teorias de Jung sobre arquétipos (palavra sânscrita que significa imagens arcaicas) e sincronicidade. Jung diz que arquétipos são imagens que evocam na alma humana uma espécie de energia transformadora. Toda vez que contatamos com uma imagem arquetípica há uma reação profunda que desperta emoções e lembranças que impulsionam a um movimento de transformação ou cura. Os arquétipos são emanações do grande inconsciente coletivo, uma rede de memórias a qual o inconsciente individual permanece conectado. O que os antigos sábios tribais chamariam de a sabedoria legada dos ancestrais e que se encontra disponível a todos os que vivem na Terra. Seria devido a isso que os esqueletos reconhecidamente representam a morte e a doença em todas as sociedades do mundo, bem como o sol a vida e a saúde, e qualquer criança pressente esse fato mesmo que ninguém ensine sobre isso! A sincronicidade é a teoria levantada por Jung de que não existe o acaso. Que há certas coincidências muito significativas que expressam algo sobre nós mesmos e o nosso eu mais profundo. Por essa visão tirar as cartas do tarot numa leitura é um processo cabível na lei da sincronicidade, as cartas tiradas ao acaso expressam algo do ser mais profundo e comunicam tanto a sua realidade reconhecível quanto os aspectos inconscientes que precisam ser integrados.

O tarot começa a receber atenção dos psicólogos com abordagens mais alternativas, como junguianos, a maioria, e terapeutas transpessoais. Essa tendência evidencia-se quando é publicado Jung e o Tarot, de Sallie Nichols, em 1980. Para os que torciam o nariz para o tarot, discriminando-o como uma arte mágica muito suspeita, de repente as cartas começam a ficar mais interessantes. Paul Foster Case, um grande ocultista e tarólogo norte-americano, já havia relacionado o tarot com a moderna psicologia nos anos 30, mas por se tratar de “mais um mago” isso não afetou muito a visão do tarot na época. Na década de 80 o estudo da tarologia vai crescendo de modo impressionante. E em países como o Brasil, onde tarólogos eram uma raridade, surge uma geração inteira de estudiosos e praticantes das leituras de tarot. Muitos desses são extraordinariamente competentes, outros apenas curiosos e outros ainda, eram a leva usual de oportunistas que surgem quando qualquer movimento transformador vem á tona.

A ESTRUTURA DO TAROT

Esse oportunismo, aliás, vira a marca registrada desse período histórico do tarot e que se estende até hoje! Primeiro começam a surgir baralhos que não tem nenhuma similaridade com o tarot e que são vendidos como tal. Um dos mais chocantes foi a transformação do baralho Lenormand – erroneamente chamado de cartas ciganas – para tarot cigano nos anos 90. Nominação feita por Kátia Bastos e César Bastos, seu marido. Um baralho de trinta e seis cartas que nunca foi sequer cigano, nascido na França no século XIX, repentinamente vira tarot!… A cartomancia andava em baixa nessa época e os vendedores de livros começaram a chamar de tarot todo o baralho lançado para simplesmente vender. Muitos ainda cometem esse tipo de equívoco (ou sacanagem). O tarot é um conjunto de 78 cartas divididas entre 22 arcanos (segredo ou mistério) maiores e 56 arcanos menores. Esses últimos têm ainda uma subdivisão de 16 cartas com figuras humanas de reis, rainhas, cavaleiros e valetes (A corte) e 40 cartas numeradas de 1 a 10 divididas em quatro naipes, como no baralho comum, paus, copas, espadas e ouros. Se um baralho tiver mais ou menos cartas, ou faltar qualquer uma das estruturas citadas, não é nem melhor, nem pior, apenas NÃO É TAROT! Não é um descendente do baralho medieval original, o que também não significa que não funcione nem seja bom!


OS CIENTIFICISTAS

O segundo tipo de oportunismo surge na forma dos profissionais “bem intencionados” que querem preservar o tarot, seu estudo e prática. Eles criam escolas, associações e grupos onde “a verdadeira linguagem do tarot é preservada e ensinada”. Ora, o tarot é de domínio universal, não possui um fundador. Já vimos na edição anterior que se trata de uma obra que foi criada ao acaso como um jogo para nobres, e que por isso mesmo, teve projetado em si todo o material simbólico da humanidade. Isso é que se pode chamar de coincidência significativa!

Para piorar tudo surgem os que dizem que o tarot é um mero instrumento de investigação psicológica, um meio da moderna psicologia e tentam “desmistificá-lo”. Mas desmistificar é tirar sua abordagem transcendente. Surge então uma onda de tarólogos que tentam tirar do tarot toda a sua abordagem mediúnica e espiritual, segundo eles para torná-lo mais real e acessível ao homem comum… A tentativa de retirar a abordagem espiritual de um instrumento simbólico é, além de impossível, um tiro no pé! Toda vez que a humanidade assume uma postura muito crítica e racional a sociedade adoece. Modernos estudos antropológicos afirmam que a espiritualidade é uma necessidade e faz parte de uma consciência saudável em cada ser humano. Sentir-se parte de um todo maior é uma experiência edificante e gratificante e o ceticismo é uma invenção da era industrial que gerou uma total depravação na relação dos homens consigo mesmos e com o meio ambiente.

O tarot, bem como qualquer prática oracular, nos eleva a essa experiência de conexão com um todo maior. Os tarólogos que vão fundo na experiência transcendente do tarot sentem-se muito seguros em suas afirmações, como se as estivessem recebendo de uma fonte inesgotável de saber, mas assim que terminam a interpretação alguns se perguntam: Como foi que eu vi isso? Para os psicologizadores do tarot isso seria o contato com o inconsciente coletivo, muito maior que o inconsciente pessoal. Os xamãs diriam que é uma inspiração do grande mistério… Não existe uma resposta definitiva. Como vimos na edição anterior os tarólogos do século XIX afirmavam que o tarot é um sistema cabalístico – um esquema do universo e de Deus segundo o misticismo judeu – e agora alguns estão afirmando que se trata de um instrumento da psicologia. Vale ressaltar que tanto a magia quanto a psicologia são mecanismos humanos para entender a realidade, e ambos cabem no tarot, entretanto nenhum deles pode encerrar em si a linguagem tarológica e nenhuma linguagem que se expresse através de símbolos (astrologia, numerologia…). Os símbolos são a base da vida humana: “Ela partiu meu coração. Ele ficou vermelho de raiva, azul de fome”, e assim por diante! Por serem a base da nossa existência interior os símbolos podem conter em si a raiz de todos os conhecimentos sem serem contidos por nenhum.

Atualmente o grande risco para a tarologia é a tentativa de sistematização da sua linguagem e as inúmeras versões dos arcanos. Dois baralhos clássicos apresentam o arcano de O Diabo, por exemplo, de modo muito similar, mas se você comparar esse arcano entre baralhos modernos eles se mostrarão muito diferentes! Isso se dá por causa da liberdade da criação artística, que não alterou os significados dos arcanos, mas a sua representação. Essa variação é perigosa e pode confundir iniciantes. Comece sempre estudando os baralhos de representação clássica, Marselha, Grimaud, etc. Depois de reconhecer bem a linguagem do tarot escolha o baralho moderno da sua preferência, haverá bem menos confusões. Sobretudo, sinta-se livre para explorar todas as possibilidades espirituais, intuitivas e mediúnicas do tarot tanto quanto suas versões racionais e psicológicas. Como disse o célebre tarólogo suiço Oswald Wirth: “O próprio do simbolismo é sugerir indefinidamente: cada um verá o que o seu olhar permita perceber”.

Jaime E. Cannes

Publicado no jornal VIVA BEM, Abril de 2010.

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